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O início da busca: o sonho antes da dor

  • Foto do escritor: Mariella Matos
    Mariella Matos
  • 12 de out.
  • 4 min de leitura
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Uma mulher sentada na beira da cama ao amanhecer, envolta por luz suave, segurando algo nas mãos — entre a esperança e o silêncio.

Há sonhos que nascem com a gente.Antes de sabermos quem seremos, já imaginamos o que viveremos.

E, para muitas de nós, o sonho de gerar um filho começa assim — como uma promessa silenciosa, uma certeza íntima de que um dia aquele amor terá forma, nome e cheiro.


Eu também acreditei nisso.


Durante boa parte da vida, achei que a maternidade seria apenas uma questão de tempo — que bastava querer e o resto viria naturalmente. Como tantas mulheres da minha geração, fui ensinada a acreditar que tudo se resolveria com planejamento, esforço e fé. E, por anos, foi isso o que fiz: planejei.


Carreira, estudos, estabilidade. O amor, quando viesse, completaria o quadro.

Mas o corpo tem seus próprios tempos — e, às vezes, o destino também.


O sonho antes da dor


Antes das clínicas, das injeções e dos exames, houve um tempo em que o sonho era doce.

Eu me via com uma família grande, quatro filhos, talvez alguns gêmeos.

Imaginava o riso pela casa, os desenhos grudados na geladeira, o cheiro de bolo nos fins de tarde.


Era um sonho tão natural que não parecia sonho — era quase um roteiro de vida.

E talvez por isso tenha sido tão difícil perceber quando ele começou a se desfazer.


A primeira vez que ouvi falar em endometriose e infertilidade, confesso, foi como quem escuta uma história que, de repente, começa a ecoar dentro de si.


Eu estava vendo uma entrevista de uma atriz famosa — ela contava, com lágrimas nos olhos, as dores e as dificuldades que enfrentou até descobrir a doença.

Enquanto ela falava, algo em mim despertou.“Isso pode estar acontecendo comigo”, pensei.


As cólicas intensas me acompanhavam desde cedo, fiéis e implacáveis, mas eu sempre as tratei como um incômodo normal — afinal, era o que me diziam. Ainda assim, aquela entrevista plantou uma semente de dúvida, e decidi procurar minha ginecologista de anos para investigar.


Lembro-me da consulta como se fosse hoje. Expliquei minhas dores, mencionei o histórico familiar, falei sobre a entrevista que tinha acabado de assistir. Ela me ouviu com calma e respondeu, quase com certeza:

“Você só tem cólicas fortes. Isso não é endometriose. Seriam necessários pelo menos três sintomas para suspeitarmos, e você só tem um.”

Saí do consultório tentando me convencer de que ela estava certa — afinal, era minha médica de confiança, alguém que me acompanhava há tanto tempo. Mas dentro de mim, algo não sossegava.


Era como se o corpo soubesse o que a ciência ainda não havia confirmado.

A vida, às vezes, sussurra antes de gritar — e eu, naquela época, não soube ouvir.


Quando o sonho encontra a ciência — minha primeira FIV


A medicina reprodutiva entrou na minha vida como quem chega com uma promessa: a de transformar o impossível em esperança.


Eu e meu marido já tínhamos a data do casamento marcada, os planos traçados, o amor amadurecido. Sabíamos o que queríamos — e o tempo, cada vez mais apertado, sussurrava que não deveríamos esperar.


Eu tinha 38 anos. Ele, 45.


Ambos saudáveis, com exames em ordem. Nenhuma doença, nenhum obstáculo aparente — apenas a idade e a consciência de que talvez a natureza precisasse de uma ajuda.

Foi então que decidimos: faríamos nossa primeira FIV antes mesmo de casar.


Lembro-me de cada etapa como quem recorda um rito sagrado.

As idas à clínica, o cheiro de álcool no ar, o frio do ultrassom, as injeções diárias que eu, antes temerosa com agulhas, aprendi a aplicar em mim mesma com coragem.

Cada picada era uma mistura de dor e fé — o preço que se paga quando se acredita num sonho.


Naquela época, eu estava convencida de que engravidaria logo na primeira tentativa.

Não havia motivo para pensar o contrário.


O médico dizia que bastava encontrar cinco ou sete bons espermatozoides em meio a milhões — e eu acreditava.

Tinha certeza de que, poucos meses depois, caminharia até o altar grávida, com o coração batendo duplo.


Acompanhar os folículos crescendo na tela era como assistir à materialização do sonho.

E quando, no dia da transferência, vi aqueles dois pequenos embriões sendo colocados dentro de mim, senti algo que não sei descrever — um misto de ternura e reverência, como se estivesse diante de um milagre em construção.


Dois pontinhos de luz.

Duas possibilidades de amor.


Por alguns dias, vivi o encantamento de quem tem certeza de que o impossível está prestes a acontecer.

Eu falava com eles em silêncio, imaginava o momento de contar a novidade, sonhava com o vestido ajustado à nova forma do corpo.


Tudo fazia sentido.

Até que veio o resultado.


Negativo.


E, com ele, o chão se abriu sob os meus pés.

A esperança que antes me preenchia agora pesava.

Era como se o sonho tivesse se desfeito em minhas mãos antes mesmo de eu entender por quê.


Um começo dolorido


Hoje, olhando para trás, percebo que aquele tempo — o da primeira FIV, o da esperança sem limites — foi o início da minha busca.

Antes da dor, houve fé.Antes das lágrimas, houve sonho.

E mesmo que o resultado tenha sido negativo, aquele foi o momento em que algo novo nasceu em mim: a mulher que aprendeu que nem tudo pode ser controlado, e que, às vezes, o maior ato de fé é continuar acreditando — mesmo sem entender.


O que eu não sabia é que essa seria apenas a primeira de muitas etapas.

A primeira tentativa, o primeiro luto, o primeiro aprendizado.

Mas, naquele instante, eu ainda era a mulher que acreditava que tudo daria certo — e talvez seja por isso que esse pedaço da história mereça ser contado assim: como um retrato da esperança em seu estado mais puro.


“Antes da dor, há sempre um sonho.

E é desse sonho que nasce a coragem de seguir.”


Com carinho,

Mariella 💛


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