A Espera Pelo Milagre
- Mariella Matos

- 6 de dez.
- 3 min de leitura

Às vezes, o que nos move não é mais a esperança — é o medo de nunca ter tentado o suficiente.
Depois de duas tentativas e dois “nãos” que pareciam ecoar dentro de mim, eu já não sabia mais onde terminava o sonho e começava a teimosia.Mas algo em mim ainda insistia, mesmo que em silêncio.Talvez fé.Talvez costume.Talvez o simples instinto de não desistir.
Foi assim que, alguns meses depois da segunda FIV, voltei ao consultório.O mesmo corredor, o mesmo cheiro de álcool e lavanda, a mesma sala branca onde tantas vezes deixei um pedaço do meu coração.Dessa vez, sem ilusões — apenas com a vontade de tentar mais uma vez, de me sentir inteira dentro do possível.
Meu médico me recebeu com um sorriso sereno, desses que já viram muitos recomeços.“Vamos com calma”, ele disse.
Falamos sobre protocolos, exames, ajustes hormonais… mas eu sabia que o que eu precisava não era de um novo remédio — era de fôlego.
O corpo já carregava marcas: cicatrizes pequenas, manchas de agulhas, inchaço.A alma, essas não apareciam nos exames, mas estavam lá — doloridas, exaustas, resistentes.
O terceiro protocolo começou em meados de agosto.As injeções voltaram a fazer parte das minhas manhãs, como um ritual entre fé e dever.Havia dias em que eu aplicava o hormônio e logo depois chorava — não de dor, mas de um cansaço que parecia vir de outro lugar.Mesmo assim, seguia.
Dessa vez, seriam três óvulos.Três pequenas promessas.Três chances de que, talvez, algo desse certo.
Enquanto esperava o resultado da fertilização, eu já não fazia planos com datas, nomes ou vestidos.Passei a falar menos do assunto — até com Deus.Não por falta de fé, mas porque aprendi que a fé também se faz em silêncio.
Quando a ligação do laboratório veio, respirei fundo antes de atender.Era um domingo ensolarado, e estávamos no autódromo de Interlagos, assistindo à Corrida do Milhão.Ruído de motores, adrenalina no ar, vida acontecendo ao redor — e o meu mundo prestes a parar.
A voz do laboratório foi direta:nenhum dos três óvulos havia fertilizado.E o motivo me atingiu como um baque seco:eles estavam gigantes, maduros demais para fertilização — resultado do prolongamento do período pré-coleta, feito para tentar conseguir um terceiro óvulo.
Travei.
Por dentro, tudo parou.
Mas tirei força de onde não tinha e, em meio ao ronco ensurdecedor dos carros, contei ao meu marido.Nos olhamos e tentamos disfarçar.Tentamos nos distrair com a corrida.Tentamos fingir que a vida continuava ali fora.
Mas por dentro… por dentro estava tudo suspenso.Eu não conseguia entender como, mesmo com menos hormônios — na tentativa de melhorar a qualidade dos óvulos — nada tinha dado certo.Era mais do que frustração:era um vazio que misturava perda de tempo, de saúde, de dinheiro, mas sobretudo, perda de esperança.
Assistimos ao fim da corrida em silêncio.Saímos do autódromo lado a lado, tentando ser fortes um para o outro, mas sem chão por dentro.Nessas horas, você não sabe o que pensar — nem se vale a pena seguir.
O terceiro “não”.
Não houve grito, nem lágrimas imediatas.Houve apenas um esvaziamento — como se o corpo inteiro expirasse de uma vez.
Em casa, sentei no chão do quarto e fiquei ali, imóvel, ouvindo o som do próprio coração.
Foi nesse instante que percebi:alguns sonhos não acabam quando dão errado.Eles se transformam — mudam de forma, de cor, de lugar.
E, talvez, fosse isso o que a vida estava tentando me mostrar o tempo todo.
Mas essa ainda não seria a última tentativa.Havia mais um capítulo antes do fim — ou, quem sabe, antes de um novo começo.
Com carinho,
Mariella 💛


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