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Separação de bens e herança sem filhos: quem herda quando o cônjuge fica sozinho?

  • Foto do escritor: Mariella Matos
    Mariella Matos
  • 6 de out.
  • 3 min de leitura

Por Mariella Scheffer

Advogada especialista em Inventários e Planejamento Sucessório


Casal maduro conversando sobre planejamento sucessório e herança sem filhos
Casal maduro conversando sobre planejamento sucessório e herança sem filhos

Herança sem filhos e separação total de bens: entenda as regras da sucessão


Cada vez mais casais decidem não ter filhos — por escolha, circunstância ou pelo simples desejo de viver a dois.

Nessas relações, o tema da herança ganha um contorno especial: quando um dos cônjuges falece, quem fica com o patrimônio?


Entre os diversos regimes de bens, o da separação total costuma ser escolhido como sinônimo de independência financeira.

Mas o que poucos sabem é que, na ausência de descendentes (filhos), a lei traz nuances importantes.

Dependendo de quem ainda estiver vivo — pais, avós ou apenas o cônjuge — a partilha muda completamente.


O que diz a lei


O art. 1.829 do Código Civil determina a ordem de quem herda.

Quando a pessoa falece, a sucessão legítima segue esta sequência:

  1. Descendentes, em concorrência com o cônjuge (salvo exceções ligadas ao regime de bens);

  2. Ascendentes, também em concorrência com o cônjuge;

  3. Cônjuge sobrevivente sozinho, se não houver descendentes nem ascendentes;

  4. Colaterais (irmãos, sobrinhos);

  5. E, por fim, o Estado, se ninguém anterior existir.


O que acontece quando há pais vivos e casamento em separação total de bens


Aqui está o primeiro ponto de atenção.

Mesmo que o casamento seja pelo regime da separação total de bens, o cônjuge sobrevivente não é excluído da sucessão.

Ele concorre com os ascendentes, mas em proporção menor.


Como funciona:

  • Se os pais do falecido ainda estiverem vivos, a herança se divide entre eles e o cônjuge sobrevivente.

  • O cônjuge recebe 1/3 da herança, e os ascendentes dividem os outros 2/3 igualmente entre si.

  • Se houver apenas um ascendente (por exemplo, um pai ou uma mãe), o cônjuge fica com metade da herança, e o pai/mãe com a outra metade.


Exemplo hipotético:

Imagine um casal sem filhos, casado sob separação total de bens. O marido falece, deixando a esposa e sua mãe viva.

Mesmo sem comunhão de bens, a esposa herdará metade do patrimônio, e a outra metade caberá à mãe dele.


 Interpretação doutrinária consolidada:

Na concorrência com ascendentes, o regime de bens não afeta o direito sucessório do cônjuge.


Em qualquer regime — inclusive separação total — o cônjuge sobrevivente herda a parcela prevista no art. 1.837 do Código Civil.


Quem herda quando não há filhos nem ascendentes


Se o falecido não deixa descendentes nem ascendentes, o cenário muda completamente.

Nessa hipótese, o cônjuge é chamado sozinho à herança — e herda tudo, independentemente do regime de bens.


Exemplo:

Um casal casado sob separação total, sem filhos e sem pais vivos.

Ao falecer um dos cônjuges, todo o patrimônio será herdado pelo outro — mesmo que os bens tenham sido adquiridos separadamente, durante a vida.


E quando há apenas parentes distantes?


Outra dúvida comum: e se não há filhos, pais ou avós, mas existem irmãos, sobrinhos ou sobrinhos-netos?


Nesse caso, o cônjuge também herda sozinho, pois os colaterais só são chamados à sucessão se não existir cônjuge sobrevivente.

A separação total de bens não afasta esse direito.


O mito da “blindagem patrimonial”


A separação total de bens garante autonomia financeira durante o casamento, mas não impede a sucessão após a morte.

O cônjuge sobrevivente continua sendo herdeiro necessário e protegido pela lei.


Por isso, quem deseja direcionar parte dos bens para outras pessoas — como irmãos, sobrinhos ou instituições — deve fazer isso em vida, por meio de testamento.


Com o testamento, é possível:

  • Definir o destino de até 50% do patrimônio livremente;

  • Reconhecer vínculos afetivos que a lei não contempla;

  • Evitar conflitos e disputas judiciais.


Conclusão

Para quem não tem filhos, o regime da separação total de bens não significa afastamento sucessório — significa organização patrimonial.

Mas, se não houver planejamento, a herança seguirá automaticamente para o cônjuge sobrevivente, ainda que essa não fosse a vontade do falecido.

Em resumo:

Situação

Herdeiros

Percentual aproximado

Base legal

Sem filhos, com pais vivos

Pais e cônjuge

⅓ para o cônjuge / ⅔ para os pais

Art. 1.837 CC

Sem filhos, sem pais

Somente o cônjuge

100%

Art. 1.829, IV CC

Sem filhos, sem pais, mas com irmãos

Somente o cônjuge

100%

Art. 1.829, IV CC

Planejar é o único caminho para transformar a lei em vontade.

Quem não tem filhos deve pensar na sucessão com a mesma atenção que dedica à vida — porque, no fim, é ela que define o que fica.


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